Os anos de chumbo – Luiz Octavio de Lima
Gosto de diversificar os temas dos livros e política sempre me chamou a atenção, então hoje, trago um relato mais que importante, diria encravado na vida daqueles que viveram direta ou indiretamente os anos sob o domínio militar.
Eu vivi indiretamente porque nem era nascida e quando nasci já estava em declínio o poder e meu pai falava pouco sobre isso, não era assunto para ser discutido em casa.
Este livro que foi indicação do meu marido com um título atrativo, assim como a capa, 560 páginas e preço ótimo para livro digital e bom para livro físico.
O escritor Luiz Octávio retratou muito bem os anos do Golpe Militar de 1964 com entrevistas, documentos e informações sobre um período da história tenebroso.
Se você gosta de história indico este livro com escrita fácil e melhor do que muitos livros.
Tem a cronologia do que aconteceu nos anos do Golpe de forma detalhada informando tudo o que acontecia naquela época, antes e depois, ou seja, da vitória a derrota.
Já aviso que é pesado e contém declarações fortes onde colocarei alguns pontos e destaques porque só lendo para ter uma noção melhor.
O escritor faleceu em 2020 vítima de um AVC e a editora lançou o livro como uma homenagem. Ele tem outros títulos lançados são eles: A guerra do Paraguai, 21 batalhas que mudaram o Brasil e 1932: São Paulo em chamas .
Tudo começa com Jânio Quadros no poder e os dias que sucederam a sua desistência da Presidência, assim como é citado o período do governo Kennedy nos Estados Unidos.
Era um período de crescente tensão política, de corridas armamentista e espacial e de disputa entre as potências pela hegemonia mundial – a chamada Guerra Fria.”
Jânio não tinha nada de esquerdista e ele comentava que era admirador de populistas latino-americanos como o argentino Juan Domingo Perón e afirmava:
“Governar é como dirigir um carro. Dá-se a seta para a esquerda, mas dobra-se à direita.”
Jânio em suas declarações queria mesmo era agitar os Estados Unidos que não ligava para o Brasil, por isso ele falava muito sobre Fidel Castro, inclusive dizendo-se admirador.
Como podemos ver, fazer política é estar num caminho sem volta.
Jânio nasceu em Campo Grande, mas passou a infância em Curitiba. Após a separação dos pais viveu com a mãe Leonor em São Paulo onde cursou direito e tornou-se professor no colégio Dante Aligheri. Este Colégio era tradicional na cidade.
Escrevia e falava inglês, francês, espanhol e italiano.
Casado com Eloá com quem teve uma filha, Dirce “Tutu” Quadros. Também esteve envolvida na política e em polêmicas.
Vereador em 1947 trocou o nome de batismo Jânio João Quadros por Jânio da Silva Quadros, com a intenção de se mostrar próximo ao povo.
Em 1950 foi o deputado estadual mais votado. Em 1953 elegeu-se prefeito de São Paulo e em 1954 governador também de São Paulo.
Em 1958 tornou-se deputado federal e em 03/10/1960 chegou à Presidência pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN), onde seu vice era o gaúcho João Goulart do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) que já havia sido ministro de Getúlio Vargas e vice de Juscelino Kubitschek (JK).
Seu principal adversário era o marechal Henrique Teixeira Lott, do PSD.
Jango como era mais conhecido fora apenas a segunda opção de vice para o militar, após a morte do ex-chanceler Osvaldo Aranha, nome inicialmente escolhido para a chapa.
Foi na sua campanha que surgiu a primeira propaganda eleitoral na televisão.
Foi sempre um personagem populista que circulava pelas ruas comendo sanduíches de mortadela tirados dos bolsos dos seus ternos e exibia os ternos com caspa que os adversários diziam que era talco.
Lembro um pouco dele pois meu pai comentava muito sobre Jânio que esteve numa padaria perto da minha casa e fechou-a no ato por sujeira.
Nesta época inclusive tinha uma música que iniciava assim “varre, varre vassourinha…”
Seu tom era de um reformismo conservador.
Era famoso por consumir álcool excessivamente e dizia:
Sou como Churchill: o mais que bebo, mais brilhante fico.”
Montou um ministério de alto nível: nomeou o primeiro embaixador negro (Raimundo de Souza Dantas) para Gana, criou o Parque Indígena do Xingu, cortou gastos públicos, enviou ao Congresso o projeto lei antitruste e acabou com privilégios cambiais dos importadores.
Tiveram também decisões controvertidas como a legalização do jogo de carteado, a abolição de comerciais nas sessões de cinema, a proibição das rinhas de galo, de corridas de cavalos em dias úteis, da exibição do biquini em transmissões televisivas.
O mais engraçado e polêmico foi que tentou implantar o traje safári, logo apelidado de “pijânio” como uniforme do funcionalismo.
Lógico que resumi aqui porque a lista é extensa, então leiam e descobrirão muito mais.
Seu mandato durou apenas sete meses onde esvaziou suas gavetas em 25/08/1961.
A partir daqui o escritor inicia em detalhes tudo que antecedeu este ato de Jânio e o que o futuro reservava para o Brasil.
No decorrer da história vamos perceber muitos nomes conhecidos da política como por exemplo o explosivo e polêmico Leonel Brizola. Posso dizer que lembro dele nos debates da televisão, sempre nervoso e sem noção.
Brizola era filho caçula de um pequeno produtor rural do noroeste do Rio Grande do Sul. Seu pai fora degolado nas proximidades de casa, durante a revolução de 1923, por soldados leais a Borges de Medeiros, que governou o estado por vinte e cinco anos, durante a chamada República Velha.
Brizola será importante em vários cenários da política até depois do Golpe Militar.
Já naquela época, em uma de suas viagens houve uma suspeita de sabotagem no voo em que Brizola estava e com isso assombrando o cenário político brasileiro.
Após a renúncia de Jânio quem assume é João Goulart que foi o 24º presidente do Brasil, em um 7 de setembro tumultuado.
No dia seguinte de sua posse enviou ao Congresso a indicação de Tancredo Neves que foi aprovada por 259 votos contra 22 apenas. Aqui mais um nome conhecido na política.
Em outra vertente o escritor cita Cuba e Fidel e qual sua importância para o Brasil. Informa também sobre a política daquele país com Che Guevara como tema central.
Em 02 de dezembro de 1961, num de seus longuíssimos discursos públicos, para uma multidão reunida no centro de Havana, Fidel Castro explicitou pela primeira vez que o comunismo seria a força dominante do novo regime na ilha.”
Entre tantos assuntos abordados pelo escritor teremos também:
– Cuba sendo suspensa da Junta Interamericana de Defesa e da OEA;
– Copa do Mundo no Brasil que servia para distrair a população dos problemas que existiam;
– A primeira greve da era Jango em 05/07/1958 com suspensão de todos os transportes e fechamento dos bancos, portos, refinarias e distribuidoras de petróleo em todo o país;
– A visita de John Kennedy ao Brasil e toda a sua intromissão em nossa política em vários governos;
– A assinatura da lei 4.090 que instituía o pagamento de uma bonificação de Natal ao trabalhador, que seria nomeado depois como 13º salário;
– 23 de janeiro de 1963 aprovada por 64% dos parlamentares, o regime presidencialista sendo extinto o regime parlamentarista, assim João Goulart teve através da Emenda Constitucional nº6, seus poderes presidencialistas.
O Golpe de 1964 vinha sendo traçado muito antes tendo como pano de fundo uma democracia frágil, imatura e desorganizada.
Jango cairia logo como comprovado no dia 02 de abril de 1964 com a Marcha da Vitória que reuniu 1 milhão de pessoas.
O golpe contava com militares, empresários, políticos e pessoas da Igreja que fariam de tudo para dominar o nosso país.
Muitas áreas do país foram atingidas com o golpe como por exemplo a área educacional com o fim da autonomia estudantil, perda de cargos e direitos políticos com o julgamento de três nomes: Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire. Este último exilou-se na Bolívia, Chile, Estados Unidos e Suíça.
Em 11 de abril por meio de pleito indireto e com votos declarados em voz alta, o Congresso elegeu o novo presidente Castello Branco com mandato até 31/01/1966.
O próximo presidente foi o linha-dura Artur da Costa e Silva.
Sua primeira tarefa foi fechar o Congresso Nacional com um Ato Institucional até 21/10/1969 confirmando assim um regime autoritário de fato – uma ditadura militar.
Chamado de golpe dentro do golpe a edição do AI-5 ficou conhecida desta maneira como regime militar montando um tripé repressivo: vigilância – censura – repressão.
Entre 1968 e abril de 1969 houve a cassação ou suspensão de direitos de 452 cidadãos por todo país como por exemplo, 93 deputados federais.
Tudo era motivo de censura e veremos capítulos tristes de crueldade e mortes onde até hoje não foram encontrados os restos mortais das pessoas.
Naquela época até uma coluna sobre xadrez no jornal era motivo de censura, afinal eles imaginavam que era uma mensagem codificada.
Em 21/12/1968 foi criado o Conselho Superior de Censura que julgava os órgãos de comunicação que ficavam sujeitos a ser fechados pelos DOPS.
No período em que essa prática vigorou 950 peças e filmes foram proibidos. Chico Buarque, Gil, Caetano entre tantos sofreram de perto esta proibição.
Chico Buarque com a música “Cálice” foi proibido de tocá-la por seis anos.
Repórteres do Estadão em outros pontos do país também foram perseguidos por causa dos seus trabalhos. O chefe da sucursal Recife Carlos Garcia foi preso e torturado em março de 1974 na véspera da posse de Ernesto Geisel.
Uma grande epidemia de meningite atingia as pessoas que inclusive recebeu o nome de epidemia da desinformação.
O Brasil não tinha a vacina produzida na fundação Oswaldo Cruz pois seus pesquisadores haviam sido cassados sem que suas vagas fossem preenchidas.
Em março de 1975 foram importados 80 milhões de doses a um custo de US$40 milhões. Em São Paulo, 10 milhões de pessoas foram vacinadas e o quadro foi diminuindo.
Os grandes festivais de música foram marcantes nesta época com vários cantores e grupos musicais aparecendo e causando alvoroço com suas letras e aparência.
A escritora Cassandra Rios foi a mais censurada no Brasil com seus livros. Foram 33 de seus 36 publicados na década de 1970 mesmo assim, foi a única mulher a atingir a marca de 1 milhão de exemplares.
A novela Selva de Pedra em 1972 foi censurada através da cena que Cristiano (Francisco Cuoco) casava com Fernanda (Dina Sfat), que segundo proibiram, não poderia ser colocado, pois segundo os militares seria crime de bigamia uma vez que ficava subtendido que o Cristiano estava viúvo de Simone (Regina Duarte).
Em outro paralelo houve a eleição de Figueiredo com 61 anos pelo Colégio Eleitoral em 15/10/1978 e pouco tempo depois seu vice, Aureliano Chaves o substitui em virtude de uma cirurgia sendo reassumido depois por Figueiredo.
E quem não ouviu falar de Serra Pelada? O maior garimpo do mundo em céu aberto que levou mais de 30 mil homens e que como sempre acontece, o poder do garimpo logo passaria para o Estado já em meados de 1979.
Estou pontuando alguns fatos, contudo os capítulos mais fervorosos são sobre as surras, violências às mulheres, prisões e mortes de pessoas que segundo os militares eram comunistas e eles queriam acabar com os grupos montados.
Os cabeças das guerrilhas eram sempre o alvo principal das operações. As torturas não respeitavam nem as mulheres que muitas vezes passavam semanas em tortura e quando tinham oportunidade tentavam tirar a própria vida. Uma das mais famosas torturadas foi Dilma Roussef.
Avançando um pouco mais no tempo chegaremos em 12 de maio de 1978 quando os operários da Saab-Scânia fabricante de caminhões pesados iniciam uma greve.
E teremos uma aula sobre a criação do Sindicato dos Metalúrgicos fundado em 1933 na era Vargas que foi o segundo da região a se organizar pelas normas instituídas por Vargas, o primeiro foi o dos marceneiros.
E entre eles um conhecido no meio desde 1975 representante da entidade: Luiz Inácio da Silva (sem o Lula ainda).
Neste trecho cita a importância dele para o sindicato, para os trabalhadores falando de toda a sua trajetória. Em 1969 foi eleito para a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos.
Em 10/02/1980 criou-se o PT – Partido dos Trabalhadores que surgiu para rejeitar as lideranças do sindicalismo tradicional e pautando-se por uma forma de socialismo democrático recusando modelos já questionados. Ele penetrava nos segmentos mais profundos da sociedade. Nomes como José Genuíno e José Dirceu aparecem em destaque.
Não podemos esquecer já em 1980 o líder sindical dos seringueiros, Chico Mendes que ajudou a fundar uma seção do partido do PT no Acre. Em 22/12/1988 uma semana após completar 44 anos teria sido assassinado por pistoleiros na porta de sua casa.
Uma morte que teve uma repercussão na mídia com a prisão e julgamento dos envolvidos.
Deixando mais leve e falando da Igreja em 30/06/1980 João Paulo II visita o Brasil pela primeira vez sendo recebido por Figueiredo. Percorreu 13 cidades em 12 dias.
Posso dizer que sim fomos vê-lo quando esteve na cidade de São Paulo e que emoção. Amava este Papa.
O líder católico defendeu a justiça social, a liberdade sindical, a reforma agrária, os direitos humanos e a educação sexual, condenando a Teologia da Libertação e o aborto. Voltaria ao Brasil outras duas vezes e alguns poderosos não gostavam de seus discursos que eram contrários àquilo que eles queriam.
A pesquisa do escritor foi tão completa que por vezes você precisa parar, tomar uma água e recomeçar. São muitas informações, contudo não é nada cansativo, pelo contrário é sensacional.
Chegamos no “Diretas Já” com vários Estados aderindo com mais de 300 mil pessoas reunidas na praça da Sé em São Paulo para ouvirem os discursos de Franco Montoro, Fernando Henrique Cardoso, Lula, José Serra, Orestes Quércia e Almino Affonso.
Em 1984 na Candelária no RJ mais de 1 milhão de pessoas com Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Leonel Brizola, Tancredo Neves, Fernando Henrique e Lula.
Todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido” – Sobral Pinto discursou aos 90 anos.
Capítulo longo é dedicado a este importante movimento político.
Em 15/03/1985 assume a presidência José Sarney interinamente após a doença de Tancredo Neves. Ele falece em 21/04 no feriado de Tiradentes.
Enfim, um livro com muita história, desfecho dos fatos, nomes políticos conhecidos, manobras políticas para a chegada ao poder, torturas, guerra, sequestros de chanceleres internacionais e prisões de guerrilheiros num livro completo sobre todos os fatos que infelizmente, geraram o poder dos militares.
Algo para ser lido por qualquer pessoa que não entendeu até hoje o que é viver sobre o regime militar que muito foi citado por um certo presidente e seus correligionários.
Inclusive vale uma observação, o presidente Figueiredo não passou a faixa presidencial (parecido com alguém, certo?), simplesmente foi embora.
Sei que o comentário foi longo, mas não tinha como não ser.
Esta foi a minha dica de hoje que é um assunto pouco contado na escola, nem lembrava de muita coisa e que através deste livro está escrito de maneira fácil de ler e compreender que deve fazer parte de sua leitura.
Espero que tenham gostado.
Até o próximo comentário.